Cláudia C., do Rio de
Janeiro, tia de usuário de crack:
Tenho um sobrinho de 22 anos
que usa drogas há quase cinco anos, começou com a maconha, passou para
cocaína e crack. De um ano e meio para cá ele resolveu tentar parar e
até consegue ficar três meses sem usar. Nesses três meses ele fica bem,
ninguém diz que ele já foi usuário. Mas passando esse tempo ele começa a
ficar nervoso, agitado, e acaba voltando para esse vício.
No
dia 1° deste mês, ele iria completar quatro meses sem usar e mais uma
vez teve recaída. Vai fazer 2 dias que ele não volta para casa. É muito
desesperador. Minha dúvida é como ele pode ficar meses bem, sem usar a
droga, e quando passa esse período ele volta?
E detalhe, não tem
amigos viciados, ele é o único que é usuário. Eu não consigo entender,
pois sempre ouvi dizer que a pessoa que usa crack uma vez não consegue
largar mais. Meu sobrinho é um menino bom, carinhoso, inteligente, um
excelente profissional, mas que infelizmente está destruindo sua vida
com as drogas.
Angela Hoffmann, psicóloga especializada em
dependência química:
A partir do texto enviado, podemos
ressaltar algo muito importante: “meu sobrinho é bom e inteligente e
está se destruindo”. Quando a família consegue entender que a pessoa
é portadora da doença, separando-a da manifestação da doença, temos um
importantíssimo alicerce para a recuperação.
Cabe à família fazer
parte do tratamento para que esta possa receber todas as
informações sobre a doença chamada dependência química e não confundi-la
com o caráter da pessoa que está doente.
Recuperar-se do uso e do
abuso de qualquer droga é possível, como nossa experiência
pode corroborar. É preciso deixar claro, ainda, que existe uma série de
variáveis importantes que, em última instância, determinam um dependente
químico. Alguns fizeram uso de drogas que causam uma dependência rápida
e mostram resultados da abstinência em pouco tempo, desde a perda de
controle até a perda da qualidade de vida. Outros entram em contato
com drogas que demoram um pouco mais para mostrar o quadro da
dependência química, mas trazem o uso dentro de um forte sistema de
negação.
Parar de usar a droga significa conseguir ter controle
sobre o seu uso. Outra questão levantada pela Claudia abre caminho para
mais esclarecimentos: por quê acontece a recaída?
A sobriedade
nunca acontece com a interrupção do uso da substância e sim com a
total aceitação do paciente em relação a sua doença e a entrega a um
tratamento que vai ajuda-lo ao longo de toda a sua vida. Doenças não
respondem à força de vontade e sim a tratamento médico.
Estar em
abstinência é, sem dúvida, um requisito para se iniciar um processo de
recuperação, mas esta nunca pode ser confundida com estar limpo. Tão
difícil quanto “evitar a primeira dose” (expressão que se significa não
voltar ao uso) é a inabilidade de lidar com a vida sem usar drogas.
Quando
uma pessoa está determinada a interromper o uso, é sinal de que ela
ainda consegue ver prejuízos à despeito do desejo incontrolável de usar a
substância.
Entrar em contato com sintomas físicos da abstinência
da droga (alterações de sono, apetite, humor, etc.) e estar diante de
um momento de vida sentindo culpa, autopiedade, isolamento, raiva,
ressentimento, mágoa, frustração, desmotivação, apatia, expectativas de
uma vida melhor ainda distantes da realidade, levam o dependente químico
a pensar que nada está funcionando. Logo, é melhor voltar a usar.
Estar
diante de canais de ajuda é uma facilitação para o processo de recaída.
Precisamos
entender o que um dependente químico está vivendo. Sem julgá-lo,
apenas inserindo-o em um espaço onde ele poderá se identificar com
outros companheiros de sofrimento. Vai receber suporte médico para o
alívio dos sintomas físicos e clínicos. Vai receber suporte terapêutico
para se capacitar na informação de tudo sobre a doença: como ela se
manifesta e como ela pode ser controlada.
Vai desenvolver
autoconhecimento, confiança no programa de tratamento. Vai aprender
a expressar conteúdos internos e estabelecer ligações de causa e efeito
entre vários elementos presentes na sua vida.
Dentro de um
programa terapêutico é possível romper o ciclo vicioso entre o uso, a
dificuldade de lidar com a dependência física da droga, a dificuldade em
lidar com as emoções e as consequências da drogadição e o retorno ao
uso.
Recuperar é fazer uma abordagem ampla com o dependente
químico e sua família. Ambos receberão suporte, esclarecimento e terão
metas de mudança de comportamentos.
Repetindo: a dependência
química é uma doença que atinge o ser humano como um todo, provocando, é
claro, consequências negativas em todas as áreas de sua vida: física,
emocional, social, educacional, legal, profissional, de relacionamento,
etc.
Entrar em abstinência inicial é um grande passo. Aderir aos
grupos de mútua ajuda é o caminho que mais leva à recuperação. Saber
pedir ajuda e ter um suporte terapêutico é igualmente importante.
O
somatório dos passos descritos leva a um crescimento emocional e a um
desenvolvimento de habilidades para lidar melhor com as dificuldades da
vida.
Enquanto a doença não for estancada, existirá o risco de
consequências irreversíveis. Entretanto, a recuperação sempre é
possível, em diferentes estágios da doença e com diferentes drogas de
escolha.
Envie suas dúvidas sobre dependência química para esta
coluna através do e-mail drogaseduvidas@jb.com.br. A pergunta será
respondida por um especialista e publicada nesta seção.
fonte:http://www.jb.com.br/drogas-e-duvidas/
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